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Atlas Fotográfico

Guilherme Wisnik



Qual é a verdadeira cara de São Paulo? Quais os seus limites? Será possível figurar na mente uma imagem qualquer dessa massa informe e tentacular que desafia, por sua escala e complexidade, qualquer esforço de cognição humana?
Essas são perguntas sem resposta, e que só podem ser levadas a sério através de duas posturas aparentemente opostas: a ficção, por um lado, ou o experimento científico, por outro. Partindo de regras e métodos muito claros, o trabalho de Tuca Vieira flerta claramente com o segundo caminho. O fotógrafo queria conhecer melhor a cidade na qual nasceu e vive, e, ao mesmo tempo, ser capaz de registrá-la fotograficamente. Mas como fazê-lo? Por onde começar? Diante da evidente impossibilidade da empreitada, escolheu um critério objetivo e impessoal: basear-se no guia de ruas da cidade. Isto é, seu trabalho consiste em produzir uma foto para cada página dupla do guia, que, por sua vez, corresponde a um número. Assim, cada número, ou página dupla, representa uma seção quadrada que divide a mancha urbana da região metropolitana de São Paulo em 203 partes iguais.
Note-se que a escolha do guia de ruas não é um critério qualquer. Ao mesmo tempo que dá conta de quase toda a extensão da mancha urbana da metrópole, o guia permite também uma apreensão palpável da cidade, uma vez que sua escala é feita para possibilitar a identificação de todas as suas ruas e praças. Tem-se, portanto, através do guia, um trânsito possível entre as partes e o todo da cidade, algo que era chave para a realização desse projeto de mapeamento. Entra em cena aqui um elemento crucial do projeto: a experiência real do espaço. Afinal, para que visitar ao vivo lugares que estão plenamente mapeados pelo Google e pelos sistemas de georreferenciamento da cidade?
Daí o aspecto algo quixotesco do projeto. Podemos imaginar o grau de infortúnios cotidianos enfrentados para a consecução da tarefa, que envolve imensos deslocamentos, congestionamentos, gastos com combustível e equipamentos, cansaço e eventuais problemas com segurança. E assim como o guia de ruas é um instrumento em total desuso nos dias de hoje, também o fotógrafo opta por registrar a cidade não através de máquinas leves e portáteis, e sim com uma câmera artesanal de grande formato com chapas individuais, montada cuidadosamente sobre um tripé, o que torna cada foto um ritual cênico claramente anacrônico.
Aqui retomo o aspecto ficcional do trabalho. Pois Tuca Vieira tempera o método científico empregado com um importante halo de ficcionalidade, próprio de quem sabe não haver respostas exatas, muito menos únicas, para o problema em questão: o retrato da cidade. Resulta daí um esforço de Sísifo, algo inglório, para se realizar um trabalho cujo sentido parece escapar ao bom senso.
Afinal, podemos pensar a sua ação de catalogação como um ato silencioso de construção paralela de outra cidade latente que nós ainda não vemos, enquanto a cidade que vemos continua se transformando continuamente. A propósito, como bem notou o ensaísta francês Georges Didi-Huberman, “se o atlas aparece como um trabalho incessante de recomposição do mundo, é, em, primeiro lugar, porque o mundo mesmo sofre decomposições constantes”.

 

 

 

Guilherme Wisnik é Professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Crítico de arte e arquitetura, é autor de livros como Lucio Costa (2001), Caetano Veloso (2005), Estado crítico (2009), Espaço em obra (2018) e Dentro do nevoeiro (2018). É membro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e foi curador-geral da 10a. Bienal de Arquitetura de São Paulo ( 2013).
 

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Mini-doc produzido pela revista Piauí
Fotografia: John John Valle. Direção: John John Valle, Rafael Duarte, Gabriel Mendes. Produção: Bambalaio

Exposição na Casa da Imagem, 2016

Texto de Agnaldo Farias, publicado no jornal Foha de S. Paulo em 11/09/2016)